sábado, 18 de junho de 2011

Casamento ao Primeiro Lugar

Por Walcir Carrasco

Hoje estive no Salão Nacional do Livro Infantil e Juvenil, que aconteceu no Rio de Janeiro. Dei uma palestra sobre minha coleção “Todos Juntos”, da Editora Ática. Foi o máximo!Acho que as crianças de hoje são mais espertas do que antigamente. As perguntas foram bem legais. E as crianças estavam mesmo interessadas nos livros!

Em seguida fui visitar meus amigos, os escritores indígenas! Eles sempre têm um local para exposição de seus trabalhos no Salão do Livro. Lá estava Daniel Munduruku, com seu tio e sua tia, uma india baixinha e timida. Ele, Daniel, é um dos melhores escritores do país. Não só abriu espaço para o surgimento de uma Literatura Indígena como vem lançando novos autores. Também encontrei Roni, um indio alto e simpático, com um cocar de penas de araras azuis em torno do pescoço.

– Não é proibido? — perguntei

– Os índios podem usar, porque faz parte de nossa tradição.

Roni lançou um lindo livro que fala sobre o mito do Eclipse. Uma linda india apaixona-se pelo Sol. E cada vez que o encontra, surge o Eclipse.

Lá estava também meu amigo Cristiano, cujo nome indigena é longo e cheio de ws. Não decorei. Sempre nos vemos e costumo usar um anel artesanal com que ele me presenteou. Tenho uma simpatia especial por Cristiano porque está sempre sorrindo. É um rapaz afável. Só falta ter “boa gente” escrito na testa!

– Vou me casar dia 25 de julho! — contou Cristiano.

– Que bom, com quem?

– Ah, é uma prima minha de segundo grau que conheci faz pouco tempo.

– Pouco tempo?

– É, nós conhecemos numa sexta-feira. Ai ela voltou para a aldeia dela. E vem para casar.
Fiquei surpreso.

– Mas Cristiano, você só viu sua noiva uma vez?

– È. Mas depois a gente se escreveu e pudemos saber mais um do outro.

Diante dos meus olhos arregalados, me acalmou.

– Vai dar tudo certo, Walcyr. Já combinamos até de trabalhar juntos.

Sai do Salão do Livro pensando. É, pode dar certo! É surpreendente nos dias de hoje alguém conhecer alguém, ver uma única vez e já marcar o casamento. Mas existe fórmula para a felicidade? Para casamento dar certo? Tanta gente namora séculos e separa-se bem depressa!  No íntimo eu tenho certeza que o casamento dos dois indigenas vai durar a vida toda!

Parabéns, Cristiano. Você é um homem que tem certeza de seu sentimento!

quarta-feira, 1 de junho de 2011

O Brasil explicado para "Coelhinhos"

Por Diogo Mainardi - Colunista da Veja

“Devolvi o uquelele para a diretora da escola e, como Elvis Presley, voltei alegremente para minha Graceland veneziana. O que é o Brasil? O Brasil é só um assunto aborrecido. Aloha”

O que é o Brasil? A diretora da escola Ex-Ciliota mostrou-me um uquelele havaiano. Ela perguntou se eu poderia usar o uquelele havaiano em minha palestra sobre o Brasil. Respondi que sim: uquelele havaiano e cavaquinho brasileiro eram exatamente iguais. Foi por isso que entrei na sala de aula da escola Ex-Ciliota dedilhando um uquelele havaiano e rebolando como Elvis Presley. Aloha.

Sou brasileiro. Se o tema da palestra era o Brasil, achei oportuno esclarecer imediatamente que eu era brasileiro. Os membros da plateia me olharam com desinteresse. A maior parte deles sabia de onde eu vinha. Eu era conhecido naquele ambiente. Eles me viam praticamente todos os dias. Os membros da plateia, alunos da escola Ex-Ciliota, tinham entre 2 anos e meio e 6 anos de idade, e um deles, que naquele momento estava se acomodando em meu joelho, era meu filho menor, da classe dos “coelhinhos”.

O Brasil é grande. A diretora da escola Ex-Ciliota convidara os pais de todos os alunos estrangeiros a falar sobre seu país de origem. Uma semana antes de eu falar sobre o Brasil, os pais de um colega de meu filho haviam falado sobre El Salvador. Com uma ponta de chauvinismo, prossegui minha palestra dizendo que o Brasil era muito, muito grande, e que El Salvador era muito, muito pequeno, para o desconsolo de Miguelito.

O Brasil é longe. A escola Ex-Ciliota está localizada na Itália. Mais exatamente: em Veneza. O Brasil é longe de Veneza. Um “coelhinho” de 2 anos e meio pode ter uma certa dificuldade para compreender o que é longe e o que é perto. Tentei explicar, mesmo assim. O que caracteriza o Brasil é o fato de ser um lugar distante, um lugar remoto. É seu alheamento mental, mais do que geográfico. O Brasil me parecia distante e remoto até quando eu morava no Brasil.

O Brasil tem gente de todos os tipos. Na verdade, a escola Ex-Ciliota tem gente de todos os tipos: chineses, filipinos, ingleses, argentinos, canadenses, dinamarqueses, salvadorenhos. O Brasil, no passado, já teve gente de todos os tipos. Agora só tem gente de um tipo: que fala do mesmo jeito, que pensa do mesmo jeito e que repudia a diversidade. O Brasil se tornou o Velho Mundo.

O Brasil é quente. A temperatura em Veneza, naquele instante, era de 2 graus. Contei aos membros da plateia que, quando em Veneza estava frio, no Brasil estava quente. E que, quando em Veneza estava quente, no Brasil continuava quente. Contei também que, por esse motivo, os índios brasileiros andavam sempre nus.

Nós matamos todos os índios. Os “coelhinhos” gostaram de saber que matamos todos os nossos índios. Entendo o sentimento deles. No sábado anterior, eu levara meu filho menor ao Palazzo Ducale. Depois de ver algumas das mais importantes obras realizadas pelo homem, ele só se impressionou com o detalhe do quadro A Batalha de Lepanto, de Andrea Vicentino, em que um marujo é retratado com uma flecha enterrada no meio do cocuruto. O único feito memorável de um povo, para um “coelhinho”, é conseguir exterminar outro povo.

O Carnaval explicado para “coelhinhos”. Eu poderia escrever um livro intitulado “O Brasil explicado para coelhinhos”. Eu poderia escrever outro livro intitulado “A Batalha de Lepanto explicada para coelhinhos”. Eu poderia escrever outro livro intitulado “O Dow Jones explicado para coelhinhos”. Eu poderia encerrar a série com um livro intitulado “O Carnaval explicado para coelhinhos”. O brasileiro é porco. Foi o que disse meu filho, sentado em meu joelho, quando lhe perguntei o que ele lembrava do Carnaval do Rio de Janeiro. Ele só se lembrava das latinhas jogadas na rua. Ele só se lembrava do cheiro de urina. Ele só se lembrava que o brasileiro era porco. Respondi que o Carnaval de Veneza era igual.

Atirei o pau no gato-to. Uma das professoras me pediu que cantasse uma música brasileira. Meu filho escolheu Atirei o pau no gato. Na escola Ex-Ciliota, ensinaram-lhe outra música, cuja letra é a seguinte: “Na ilha de Creta-ta, vive Minos-nos. Socorro! Socorro! O Minotauro-ro! O Minotauro-ro!”. Compare “gato-to” a “Creta-ta”. Compare “Dona Chica-ca” a “Minos-nos”. Compare “morreu-reu” a “Minotauro-ro”. A mitologia grega é enterrada como uma flecha no meio do cocuruto de meu filho. Qual é a vantagem disso? Minos é mais próximo de mim. Dona Chica é mais distante e remota. Quero meu filho mais próximo de mim.

O Brasil é… Resolvi interromper a palestra. Eu estava falando sem parar havia mais de meia hora. Os membros da plateia bocejavam. Devolvi o uquelele para a diretora da escola e, como Elvis Presley, voltei alegremente para minha Graceland veneziana. O que é o Brasil? O Brasil é só um assunto aborrecido. Aloha.