segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Adultério Feliz

Por Betty Millan - Colunista da Veja

Tenho 40 anos, sou casada há vinte e tenho uma adolescente linda. Mas mesmo assim vivo, há três anos, uma história extraconjugal. Uma história de amor linda com um ex-amigo também casado e com filhos. Tudo começou como uma brincadeira, um beijo roubado em uma festa por ele. E nós nem tínhamos bebido. A situação foi tomando um rumo tal que perdemos o controle. Passamos a nos encontrar esporadicamente porque ele mora em outra cidade. Mas nossos encontros são maravilhosos, intensos e cheios de carinho. Nós nos falamos todos os dias, é uma relação incrível.

Sei que estamos errados. Não somos corretos com nossos cônjuges. No entanto, tentamos nos afastar durante três meses e não deu certo. Sinceramente, tenho medo de me separar dele e o casamento acabar (o meu e o dele), pois é essa história de amor às avessas que nos mantém.

Se seu marido não se dá conta de que você tem um amante, é porque o triângulo convém a ele. Do contrário, ele descobriria a verdade. O mesmo pode ser dito da esposa de seu amante. A situação atual é de equilíbrio para as pessoas envolvidas, e você tem razão de temer sua dissolução. Poderia resultar numa grande infelicidade.

Agora, a condição do equilíbrio é a clandestinidade, que precisa ser mantida. Enquanto viver a vida escondido não for um estorvo, não há por que mudar nada. Quanto à incorreção, pergunto: você acaso seria mais correta se ficasse em casa se lamentando e se deprimindo com a falta do que só o amante lhe dá? Não estaria se prejudicando, além de prejudicar indiretamente seu marido e sua filha adolescente?

Manter o pacto de fidelidade do casamento não é dado a todos e, como diz Octavio Paz, é raro. Porque o desejo muda de objeto. Não podemos nos culpar ou culpar os outros por isso. Daí o filme As You Like it, de Woody Allen, um cineasta particularmente bem-humorado. Para ele, só a felicidade importa. Sugere de diferentes maneiras, no filme, que façamos da nossa vida o necessário para sermos felizes. Recomendo que você assista a As You Like it e reflita a partir dele sobre você mesma.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

"Educação: Reprovada" -

Por Lya Luft

Lya Luft é Colunista da Revista Veja

Há quem diga que sou otimista demais. Há quem diga que sou pessimista. Talvez eu tente apenas ser uma pessoa observadora habitante deste planeta, deste país. Uma colunista com temas repetidos, ah, sim, os que me impactam mais, os que me preocupam mais, às vezes os que me encantam particularmente. Uma das grandes preocupações de qualquer ser pensante por aqui é a educação. Fala-se muito, grita-se muito, escreve-se, haja teorias e reclamações. Ação? Muito pouca, que eu perceba. Os males foram-se acumulando de tal jeito que é difícil reorganizar o caos.

Há coisa de trinta anos, eu ainda professora universitária, recebíamos as primeiras levas de alunos saídos de escolas enfraquecidas pelas providências negativas: tiraram um ano de estudo da meninada, tiraram latim, tiraram francês, foram tirando a seriedade, o trabalho: era a moda do “aprender brincando”. Nada de esforço, punição nem pensar, portanto recompensas perderam o sentido. Contaram-me recentemente que em muitas escolas não se deve mais falar em “reprovação, reprovado”, pois isso pode traumatizar o aluno, marcá-lo desfavoravelmente. Então, por que estudar, por que lutar, por que tentar?

De todos os modos facilitamos a vida dos estudantes, deixando-os cada vez mais despreparados para a vida e o mercado de trabalho. Empresas reclamam da dificuldade de encontrar mão de obra qualificada, médicos e advogados quase não sabem escrever, alunos de universidades têm problemas para articular o pensamento, para argumentar, para escrever o que pensam. São, de certa forma, analfabetos. Aliás, o analfabetismo devasta este país. Não é alfabetizado quem sabe assinar o nome, mas quem o sabe assinar embaixo de um texto que leu e entendeu. Portanto, a porcentagem de alfabetizados é incrivelmente baixa.

Agora sai na imprensa um relatório alarmante. Metade das crianças brasileiras na terceira série do elementar não sabe ler nem escrever. Não entende para o que serve a pontuação num texto. Não sabe ler horas e minutos num relógio, não sabe que centímetro é uma medida de comprimento. Quase a metade dos mais adiantados escreve mal, lê mal, quase 60% têm dificuldades graves com números. Grande contingente de jovens chega às universidades sem saber redigir um texto simples, pois não sabem pensar, muito menos expressar-se por escrito. Parafraseando um especialista, estamos produzindo estudantes analfabetos.

Naturalmente, a boa ou razoável escolarização é muito maior em escolas particulares: professores menos mal pagos, instalações melhores, algum livro na biblioteca, crianças mais bem alimentadas e saudáveis – pois o estado não cumpre o seu papel de garantir a todo cidadão (especialmente a criança) a necessária condição de saúde, moradia e alimentação.

Faxinar a miséria, louvável desejo da nossa presidenta, é essencial para nossa dignidade. Faxinar a ignorância – que é uma outra forma de miséria – exigiria que nos orçamentos da União e dos estados a educação, como a saúde, tivesse uma posição privilegiada. Não há dinheiro, dizem. Mas políticos aumentam seus salários de maneira vergonhosa, a coisa pública gasta nem se sabe direito onde, enquanto preparamos gerações de ignorantes, criados sem limites, nada lhes é exigido, devem aprender brincando. Não lhes impuseram a mais elementar disciplina, como se não soubéssemos que escola, família, a vida sobretudo, se constroem em parte de erro e acerto, e esforço. Mas, se não podemos reprovar os alunos, se não temos mesas e cadeiras confortáveis e teto sólido sobre nossa cabeça nas salas de aula, como exigir aplicação, esforço, disciplina e limites, para o natural crescimento de cada um?

Cansei de falas grandiloquentes sobre educação, enquanto não se faz quase nada. Falar já gastou, já cansou, já desiludiu, já perdeu a graça. Precisamos de atos e fatos, orçamentos em que educação e saúde (para poder ir a escola, prestar atenção, estudar, render e crescer) tenham um peso considerável: fora isso, não haverá solução. A educação brasileira continuará, como agora, escandalosamente reprovada.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Crônica do Amor

Por Arnaldo Jabor

Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.

O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.

Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.

Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.

Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.

Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.

Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no
ódio vocês combinam. Então?

Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a
menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.

Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama
este cara?

Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.

É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura
por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.

Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?

Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.

Não funciona assim.

Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.

Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!

Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A sibutramina e o teste da tolerância

Quando o assunto é obesidade, a sociedade se divide entre o preconceito e o politicamente correto.

Por Cristiane Segatto - Revista Época

Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 15 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo. Para falar com ela, o e-mail de contato é: cristianes@edglobo.com.br

Vamos começar com um jogo. Responda às questões abaixo com “falso” ou “verdadeiro”. Não vale tentar parecer politicamente correto. Responda com o máximo de sinceridade, de acordo com a sua opinião. Se preferir, faça o teste sozinho, em silêncio. O segredo é não temer o julgamento alheio.

1) Obesos são preguiçosos

2) Algumas pessoas estão fadadas a ser gordas

3) Se estivesse selecionando um funcionário e entrevistasse dois candidatos com habilidades e currículo semelhantes, contrataria o mais magro

4) Só é gordo quem quer

5) Ninguém precisa de remédio para emagrecer

6) Prefiro ter uma filha anoréxica a ter uma filha gorda

7) Gordos são feios, mas têm bom humor

Quanto mais vezes você concordar com as frases acima, mais contaminado pelo preconceito contra os obesos você deve estar. Uma versão mais elaborada desse teste é parte de uma pesquisa realizada pela antropóloga Alexandra A. Brewis, da Universidade do Estado do Arizona, nos Estados Unidos. O trabalho foi publicado no periódico Current Anthropology.

Várias pesquisas anteriores haviam demonstrado que o excesso de peso se tornou um estigma. Virou uma marca socialmente imputada aos obesos como prova de indolência - entre tantos outros preconceitos. O que Alexandra fez foi avaliar de que forma a visão pejorativa predominante na sociedade americana se espalhou globalmente. Inclusive em populações ou grupos que, historicamente, encaravam as curvas como um sinal de beleza e saúde.


Setecentas pessoas participaram da pesquisa em países da “anglosfera” (Estados Unidos, Inglaterra e Nova Zelândia), em nações da América Latina (México, Argentina e Paraguai) e em sociedades que tradicionalmente preferem corpos volumosos, como os nativos de Porto Rico e da Samoa americana (que fica na Polinésia).

Ela observou altos níveis de estigma em todas as sociedades estudadas. “Em pouco tempo, as percepções negativas sobre os obesos vão se tornar norma cultural mesmo nas comunidades em que as formas opulentas eram, até recentemente, vistas como atraentes”, afirma Alexandra.


O que estimula esse fenômeno? O fator óbvio, aquele que está na cabeça de todos nós, é o padrão de beleza magérrima cultuado pela mídia. Alexandra enxergou outro: as campanhas de saúde pública que apontam a obesidade como uma doença e, muitas vezes, criticam diretamente os indivíduos em vez dos fatores ambientais e sociais que levam ao ganho de peso.

“O excesso de mensagens negativas sobre saúde carregam com elas muitas mensagens morais negativas”, diz Alexandra. Segundo ela, expressões do tipo “a culpa é sua” ou “você pode mudar” são contraproducentes.

É um ponto que merece reflexão. Principalmente no momento em que as autoridades sanitárias debatem a proibição de inibidores de apetite. Desde fevereiro, a Anvisa discute se retira ou não do mercado a sibutramina (a principal escolha dos médicos que receitam drogas para tratar a obesidade) e outros três medicamentos: anfepramona, femproporex e mazindol.

A decisão era aguardada para quarta-feira, mas foi postergada mais uma vez. A tendência é a de que a agência mantenha a sibutramina no mercado, mas exija que o paciente e o médico declarem saber que o remédio aumenta o risco de problemas cardiovasculares. Provavelmente, os outros três remédios serão proibidos.

Para quem não acompanhou o que está por trás desse debate, aí vai um resumo: a sibutramina atua no cérebro e aumenta a sensação de saciedade. É um tratamento barato (R$ 20 por mês), mas incerto. Alguns pacientes não emagrecem nada. Outros podem perder mais de 20 quilos.

A justificativa da Anvisa a favor da proibição é um estudo de seis anos realizado pelo próprio laboratório Abbott, o fabricante do Reductil (a primeira marca de sibutramina a chegar ao mercado) com 10 mil pacientes, a pedido da Agência Europeia de Medicamentos (Emea). Foram incluídos apenas obesos acima de 55 anos, com diabetes e histórico de problemas cardiovasculares.

 
No grupo que recebeu placebo (comprimidos sem efeito), o índice de infarto, AVC ou outros problemas cardiovasculares foi de 10%. No grupo que tomou sibutramina, o índice foi de 11,6%. Ou seja: o risco aumentou 16%. Nenhuma morte foi registrada.


Embora o estudo tenha sido realizado com um grupo de alto risco, as autoridades europeias estenderam as conclusões para a população geral e proibiram a venda do remédio em janeiro de 2010.

A Abbott também foi pressionada pela agência americana FDA e decidiu retirar a droga dos Estados Unidos. O mesmo ocorreu no Brasil no final de 2010, mas a sibutramina continuou disponível na forma de produtos genéricos ou similares. Restaria nas farmácias apenas o orlistat, conhecido pela marca Xenical. Ele não atua no cérebro e tem um efeito emagrecedor menor.


Durante toda a discussão, várias afirmações preconceituosas ou descabidas vieram à tona. Coisas do tipo: qualquer um pode emagrecer sem remédios; há abuso de inibidores de apetite no Brasil; os endocrionologistas são contra a proibição dos remédios porque os consultórios deles vão ficar vazios.

Nenhuma dessas afirmações está baseada em fatos. Seria maravilhoso se todas as pessoas emagrecessem apenas com reeducação alimentar e atividade física. Essa é, sem dúvida, a opção mais saudável, barata e duradoura. Infelizmente, não funciona para todo mundo.

“No grupo de pacientes com grau de obesidade que varia de leve a mórbida, 70% não emagrecem sem remédio. Podem até emagrecer por um tempo, com exercícios ou dietas, mas vão recuperar o peso”, diz o endocrinologista Alfredo Halpern, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

É verdade que muita gente toma inibidores de apetite de forma indiscriminada, irresponsável e, muitas vezes, desnecessária. Mas os números demonstraram que não há excesso de consumo de sibutramina no Brasil.

“No ano passado, houve 1,9 milhão prescrições. Isso é suficiente para tratar apenas 1,7% dos 19 milhões de brasileiros obesos”, diz Ricardo Meirelles, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.

Em vez de proibir os emagrecedores, as autoridades sanitárias deveriam aumentar o controle sobre a prescrição. Se esses remédios baratos (hoje encontrados apenas na forma de genéricos e similares) saírem do mercado, os ricos terão a opção de se tratar com alguns antidepressivos, anticonvulsivantes e outros remédios que, como efeito colateral, podem provocar perda de peso.

E os pobres? Para variar, ficarão sem opção.

Antropólogos como a americana Alexandra podem não gostar, mas de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) a obesidade é uma doença. Uma doença complexa, influenciada por razões sociais, econômicas, biológicas, emocionais e culturais. À medida que a pessoa sai do sobrepeso e caminha para a obesidade mórbida, a saúde fica cada vez mais comprometida.

A obesidade representa hoje um dos maiores desafios de saúde pública porque aumenta o risco de males como diabetes, infarto, AVC e câncer. Não é razoável imaginar que um obeso grave, com articulações comprometidas e joelhos sobrecarregados, possa sair correndo no parque se estiver motivado.

“É um tremendo preconceito achar que o obeso não emagrece porque não tem vergonha na cara”, diz o endocrinologista Walmir Coutinho, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).

Por outro lado, vitimizar os obesos, tratá-los como seres incapazes de governar sua vida, assumir suas fraquezas e mudar seu destino também me parece injusto e hipócrita.

Assim como os magros, os gordos não são santos. Têm defeitos, sucumbem a tentações, procrastinam. Não devem ser tratados como vítimas indefesas de seus genes, do ambiente, da cultura, da condição social. Têm livre arbítrio e capacidade de lutar contra uma situação física e emocional que coloca a vida em risco.

Preconceito em relação à obesidade, nas ruas ou nos gabinetes de Brasília, não ajuda. O discurso politicamente correto que vitimiza os gordos também não.