Walcyr Carrasco escreve uma crônica quinzenal na revista Veja São Paulo e a novela CARAS & BOCAS, que vai ao ar às 19 horas, de segunda a sábado, pela Rede Globo.
Deus do céu, pode haver coisa mais ridícula que a votação do Dia do Orgulho Hétero na Câmara Municipal de São Paulo? Atenção: minha posição não é contra a heterossexualidade! Mas a criação de datas específicas costuma corresponder a critérios históricos. Os negros são prestigiados porque foram escravos e sofrem preconceito e discriminação social até agora. Os gays porque até hoje são alvo de violência e discriminação. Há também o Dia da Mulher que reafirma a conquista dos direitos femininos, após uma longa luta. E até hoje, falando francamente, negros têm menos oportunidades profissionais e mulheres costumam ganhar menos do que homens. Também gays sofrem profissionalmente, além de serem agredidos nas ruas.
Seria cômico se não fosse trágico. Surge uma espécie de movimento para defender os heterossexuais de supostos privilégios gays. Juro, eu não vejo héteros sendo alvo de chacota por serem héteros. Nem apanhando nas ruas. Ou sofrendo níveis de discriminação profissional. Ainda estou para conhecer um pai ou uma mãe que expulse o filho de casa por ser hetero. Alguém conhece? O vereador Carlos Apolinário defendeu a “moral e bons costumes”. Já repararam que quando alguém quer arrancar votos fala nisso? Mas não explica o que é moral e bons costumes. O deputado, ligado a igrejas protestantes, talvez não esteja entendendo em profundidade a fé cristã. A grande importância de Cristo, no plano das ideias, da ética e da fé, foi justamente transformar a visão de “olho por olho, dente por dente”, do Velho Testamento, em “amai o próximo como a ti mesmo”, do Novo. A humanidade deu um grande passo do ponto de vista ético, com o Cristianismo, pois Cristo trouxe a religião do perdão em contraposição à do confronto.
Bom costume para mim é, justamente, ter uma visão cristã da vida. Moral é viver de acordo com princípios éticos.
Mas o que o vereador propõe? O confronto. Sua obsessão, aliás, são os gays. Já fez um projeto contra a Parada Gay. Já foi, como deputado, contra a PL122, projeto de lei pelos direitos homossexuais. Agora conseguiu passar esse Dia do Orgulho Hétero.
Tudo bem. Se houver a Parada do Orgulho Hétero, vou com prazer. Como será? Com caminhões de mulatas sambando? Não, não, o vereador é religioso. Será uma passeata de casais bem formais, eles de terno e gravata, elas de vestidinho sem decote? Tudo bem careta? Epa! Mas aí não vai ser a Parada do Orgulho Hétero. Mas o dia da posição “Papai e Mamãe”. Gente, ser hétero não é ser careta! Muito pelo contrário!
No final de contas, cada vez que eu vejo uma coisa dessas, olho para a foto de quem propôs. No caso, o vereador Carlos Apolinário. E penso:
— Por que esse tipo de projeto sempre é inventado por gente feia?
Acho que os bonitos e as bonitas estão se divertindo!
Vamos lá, Kassab, agora só depende da sua sanção!