Primeiro depoimento de Gianecchini sugere uma reflexão sobre o papel da religiosidade no tratamento da doença.
Por: Cristiane Segatto - Colunista da Revista Época
É um processo puramente biológico. Pode acontecer comigo e com você, como aconteceu com Giane. Ele menciona, no vídeo, que jamais imaginou que pudesse passar por isso porque é uma pessoa alegre, que não guarda mágoas.
Pois é, Giane, o aparecimento do câncer também não é determinado pelo psiquismo. Não da forma como se acreditava no passado. É doença que afeta os magoados, os pérfidos, os maus, os bons, os otimistas, os cativantes.
Estamos todos no mesmo barco. Quem ainda não teve um caso de câncer na família provavelmente terá um dia. Por isso é útil saber o que pode ajudar a amenizar o sofrimento do paciente e das pessoas queridas que, de certa maneira, adoecem junto com ele.
A regra número 1 é que não existe regra. A religiosidade de Gianecchini parece representar um porto seguro para ele. Mas a fé só faz sentido para quem tem. Não pode ser imposta. O doente que acredita em Deus ou em qualquer outra força superior merece tanto respeito quanto os pacientes que não acreditam.
Não é raro ver um doente receber uma visita no hospital e ser obrigado a ouvir do visitante que uma outra pessoa foi curada de câncer porque Deus a achou merecedora. É triste, para quem ouve, testemunhar a essa divisão drástica do mundo: de um lado, os merecedores. Do outro, os que não merecem. Desse lado, os que têm valor. Do outro, os que não valem nada.
Isso não pode ajudar ninguém. O que ajuda é o respeito. Por tudo aquilo que a pessoa é e por tudo o que ela pensa e sente.
A religiosidade de Giane faz todo sentido para ele. A beleza da mensagem do ator é a positividade da essência. Uma beleza que transcende o fato de que ele tem fé religiosa. É o tipo de beleza que serve para quem acredita no sobrenatural e para quem não acredita.
“Recebi gente de todas as religiões: do rabino ao evangélico, ao espírita”, diz ele. “Deixei que todos rezassem por mim”, afirma.
E completa: “Cheguei à conclusão de que religião é isso. É essa força que resvala no amor. De compartilhar, buscar a caridade. Isso é a busca da cura. Acho que cada um tem seu caminho”.
Por tudo isso, muitos médicos já se convenceram (graças a pesquisas científicas sérias) de que é fundamental conhecer a história espiritual do paciente que vão tratar. Existem questionários bem estruturados para que o trabalho seja feito adequadamente. O médico Franklin Santana Santos trata desse tema, entre outros de extrema relevância, no livro Cuidados Paliativos: Discutindo a Vida, a Morte e o Morrer (Editora Atheneu).
O médico responsável pelo paciente que enfrenta uma doença grave deve perguntar sobre as crenças que ele tem. O objetivo é entendê-las e perceber de que forma elas podem ajudar o doente na recuperação. O médico não pode, no entanto, fazer julgamentos ou tentar modificar a existência ou a falta delas.
Essa informação deve ser documentada no prontuário do paciente para que outros profissionais tenham acesso a ela. Se necessidades espirituais forem identificadas, o líder religioso precisa ser avisado. Se nenhuma necessidade espiritual for identificada, o paciente precisa de algo muito simples: respeito.
Com seu depoimento do fundo do coração, Giane deu uma bela lição. Aos que têm fé e aos que não têm.
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